quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Aos 78 anos, nasce um poeta

 Com deficiência visual e auditiva, José Trevisan encontra a alegria se lançando na poesia aos 78 anos

"Sou e sempre serei um homem simples e da roça", resume o aposentado José Trevisan, que aos 78 anos de idade a serem completados na próxima semana, se lança numa aventura que muitos acreditam só serem capazes de realizar na juventude: ser poeta.









Não que ele próprio se apresente como um autor de rimas, mas é do trabalho de criação de versos que ele tem tirado muito da sua alegria nos últimos meses. "Acho que foi Deus quem me apresentou a essa oportunidade e eu coloquei para fora algo que nunca tinha tentado fazer, mas que sempre admirei nas antigas modas de viola que ouvia desde que era moleque", conta Trevisan.

Nascido na cidade de Itaiaçu, na região de Ribeirão Preto, ele vive em Santa Bárbara d'Oeste desde 1980, quando veio tentar a vida trabalhando na zona rural.

Aos 50 anos ele começou a apresentar perda da visão do olho esquerdo, e nos últimos tempos, o problema de estendeu para o direito. A audição também acabou sendo prejudicada, o que se tornou um sério problema no dia a dia do aposentado.

Foi aí que ele passou a frequentar o CPC (Centro de Prevenção à Cegueira) de Americana, e acabou tendo contato com aulas de teatro. "Nunca tinha ido ao teatro, mas meu sonho de juventude era ser palhaço e estou convencendo os professores a fazerem um espetáculo de circo", confessa Trevisan.

Enquanto isso não acontece, ele diverte os outros participantes mostrando seus poemas, os primeiros em quase oito décadas de vida. "Trabalhamos em apresentações individuais para ajudar na desinibição, e ele foi desde o começo um dos mais participativos. Mostrou um poema recitado e tem se tornado uma atração entre os outros alunos", conta a psicóloga Fernanda Nascimento Parra.

As criações de Trevisan são simples e remetem ao meio rural de onde ele veio, num estilo que poderia ser categorizado de näif. Mesmo assim, as histórias e rimas simples conquistam os ouvintes pela criatividade.

Escrita
A perda quase total da visão atrapalha a escrita do novo poeta, que guarda os versos na cabeça e depois pede ajuda aos professores e psicólogos do CPC para passar tudo a limpo.

"Queria poder escrever todos os poemas, mas infelizmente a pouca visão não me permite. Mas não reclamo, dá para riscar uns garranchos que vou guardando na cabeça. Por isso não tenho tantos poemas, porque se escrever muitos não decoro", explica.

Pais de três filhos, avô de dois netos e uma bisneta, Trevisan não esconde que sonha em um dia poder lançar um livro ou ao menos ter suas criações publicadas em jornais ou revistas literárias. Ou quem sabe, ter suas letras musicadas por alguma dupla caipira "das antigas", como ele descreve. "Pena que não temos mais Tonico e Tinoco, porque as letras que eles escreviam para as modas de viola sempre me emocionaram", relembra.

Mas não que isso seja uma prioridade na sua vida, já que o encontro com os amigos e a família é sua real fonte de alegria. "Hoje sou muito feliz e me sinto começando uma nova vida através dessas coisinhas que escrevo", afirma.

Para Fernanda, é como se a literatura simplista do aposentado lhe tivesse trazido a autoestima, a espontaneidade e a vontade de viver muito mais além da idade que já possui. "Ele é o poeta do CPC e está feliz com isso, produtivo. É como se suas limitações ficassem pequenas diante do resto", finaliza.

"A carne e o cão vaidoso", por José Trevisan
Há muito tempo um cão vaidoso existia.
Saborear uma carne era o que ele queria.
Saindo da sua casa, na cidade chegou.
Perambulando pela calçada, em frente ao açougue parou.
Sentindo o cheiro da carne, dentro do açougue ele entrou.
Abocanhando uma carne, pra fora ele voltou.
Seguindo a estrada adiante, um rio ele avistou.
Chegando na beira da margem, foi assim que ele ficou:
Parou, pensou, olhou.
Andando em cima da ponte, para baixo ele olhou.
Na água a sombra da carne aumentou,
E o que tinha na boca soltou
Dentro do rio se atirou.
Mergulhou, mergulhou, mergulhou, mas nenhuma carne encontrou.
Saindo triste do rio para sua casa ele voltou.
Chegando lá no terreiro foi assim que ele uivou:
Auuuuuuuuuuu.....auuuuuuuuuuuuuu...auuuuuuuuuuu...
Os uivados foram tão tristes que o sertão se abalou.
Pensando consigo mesmo:
" que idiota que eu sou,
Queria comer tanta carne, mas sem nenhuma eu estou".
É assim: ele teve um bom começo, mas não teve um bom fim.
É sinal que para os gulosos acontece sempre assim.

Fonte: Jornal O Liberal 

Um comentário:

  1. nunca é tarde para conseguir tudo aquilo que se deseja! parabéns a mais um poeta!

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